“Navegar é preciso, viver não é preciso” (Fernando Pessoa)

Se pegarmos emprestada a frase do poeta português para explicar a construção civil, diríamos que a “parametrização” pode contribuir significativamente em todas as etapas do projeto. “Construir é preciso, projetar não é preciso” seria uma forma poética do famoso “resolvemos na obra”. Sabemos que a construção de edifícios é inevitável, porém nem sempre o projeto recebe o tempo e o investimento necessários para uma boa construção. Quando ele não é preciso (tratado como desnecessário), resulta em um projeto impreciso. As ferramentas digitais, entretanto, podem elevar a qualidade e a capacidade projetual ao mesmo tempo que reduzem significativamente o seu tempo e o seu custo, tornando projetos mais complexos factíveis. Neste momento, saímos do porto e entramos no oceano da arquitetura paramétrica.

É possível que você tenha a impressão que a arquitetura paramétrica saiu da mente de George Lucas ou de Stan Lee, mas o parametric design nada mais é do que a criação de relações entre parâmetros dentro de intervalos definidos e o desenvolvimento de algoritmos com a finalidade de resolver problemas. Trata-se muito menos sobre a forma e muito mais sobre processos abordados de maneira lógica e criativa desde o projeto até a fabricação.
“Ok! Isso é maravilhoso, mas sou arquiteto e não sei programar”. Pois bem, aprender e praticar programação na arquitetura não é ficção científica, é poesia. Assim como uma poesia possui uma sintaxe, métricas e rimas, podemos escrever em uma linguagem que o computador entenda e trabalhe por nós. Pensemos os parâmetros como sílabas, fonemas e palavras. Elas podem ser arranjadas e combinadas como nós quisermos, formando uma estrutura em versos e estrofes. Um algoritmo, por sua vez, seria a sequência do processo de escrita, isto é, da lógica que ocorre na minha cabeça, ou melhor, a que ocorria na mente de Fernando Pessoa quando ele escrevia poemas.
Coisa de outro mundo? Na verdade não. Fazemos isso o tempo todo quando projetamos. Imagine que eu pedisse para você fechar os olhos e me dissesse o passo a passo para um projeto de um banheiro enquanto eu, seguindo as suas instruções, começasse a desenhar. Talvez você dissesse algo do tipo: “hum hum desenhe um retângulo, coloque a porta no canto de uma das arestas com a menor dimensão, faça a porta abrir para que a sua folha encoste na parede, coloque a pia na frente da porta, disponha o box do chuveiro na mesma parede que a pia e, por último, fixe o sanitário na parede perpendicular com a parede da porta de modo que ele fique perto do chuveiro”. Essa sequência de instruções é um algoritmo e possui relações implícitas entre esses equipamentos sanitários, como, por exemplo, um sanitário deve estar a uma distância x da parede, mas se essa for maior que y, nosso layout não estará otimizado. Neste momento, é possível pegar essas mesmas instruções e ensinar o computador a desenhá-las e, muito mais do que é isso, é possível pedir para ele encontrar a melhor configuração dos equipamentos, testando incansavelmente infinitas combinações bem como extrair desenhos para corte das peças da sua vedação e estrutura para corte e dobra em máquinas de controle numérico (CNC). Uma vez feito um código para esse problema, ele pode gerar infinitas possibilidades, assim como a combinação de quatro bases nitrogenadas no genoma humano gera 7,5 bilhões de pessoas únicas ou como vinte e seis letras do alfabeto podem gerar infinitas poesias. No exemplo apresentado sobre banheiros pré-fabricados, o custo do projeto é reduzido e ele seria tão preciso quanto uma máquina CNC pode ser dentro de uma indústria. Trabalhos desnecessários e repetitivos estratégicos são evitados e há maior controle sobre processos. São otimizados, portanto, o projeto e a fabricação (Para ler mais sobre esses processos de otimização e a pesquisa que desenvolvi sobre isso, clique aqui).
Atualmente, há plataformas que permitem a criação de algoritmos e relações paramétricas para a construção civil, fazendo com que abramos as velas dos nossos barcos para pegarmos os melhores ventos de popa da arquitetura contemporânea. E acredite: você não precisa ser um Alan Turing para construir algoritmos ou morrer de amor pela Zaha Hadid para se aventurar nestas águas. Se você está interessado em programar, mas não é da área de ciências da computação & cia, não é necessário saber linguagens de programação como VB.net, C++, Java ou Python, pelo menos em um primeiro momento.

Softwares como o Grasshopper (plugin do Rhinoceros associado ao Archicad) e o Dynamo (pertencente ao Revit), por exemplo, permitem explorar o potencial da associação da arquitetura paramétrica com algoritmos de maneira muito mais visual e clara. Afinal, somos arquitetos! Queremos ver as geometrias extrudando e o offset acontecendo. Entender a lógica de programação por meio de um desses programas pode ser o primeiro passo para entrar no mundo da programação e alcançar as vinte mil léguas submarinas nesta era digital.

O projeto de edifícios não é estático. É marcado por idas e vindas, experimentações, resolução de problemas que nos conduzem a outros problemas (risos), envolvendo diversos profissionais ao longo de muitos meses, visando a construção de um objeto físico. Esses desafios só crescem conforme aumentam a complexidade dos edifícios. Por este motivo, para navegar em águas mais profundas da construção, temos que nos equipar com as melhores naus disponíveis. Isto é, se queremos aumentar nossa eficiência projetual e aumentar a quantidade de informação nos projetos, não podemos mais depender de métodos convencionais onde os computadores são apenas utilizados como uma prancheta virtual. Antes, devemos rever nossa metodologia, apropriando da inteligência virtual dos computadores como portas para estes novos horizontes de automatização lógica. Navegar é preciso!

Muito boa a sua colocaçao e pesquisa Everton. Parabens.
Não sei se cabe aqui o que vou perguntar ou…
A minha preocupação enqunto é: como fazer o cliente final entender que ele vai ecomizar tempo e donheiro em sua construção fisica?
No início de seu texto, ficou claro que profissionais que desejam progredir e estar na frente, precisam mergulhar nas águas profundas desse conhecimento. Mas como o consumidor final do produto arquitetura vai perceber isto?
Um abraço.
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Olá Nunes! Ficamos feliz que tenha gostado do artigo, só vale reforçar que o mesmo foi escrito pelo arquiteto Verley Henry Côco Jr. Passamos sua pergunta pra ele e essa foi a resposta, que também concordamos!
“Como arquitetos, podemos mostrar que é possível fazer um projeto e uma obra com mais qualidade, em menos tempo e com menor custo. Isso pode ser demonstrado de várias formas para um cliente em potencial. Gráficos comparativos desses elementos, por exemplo, podem explicitar as vantagem de um sistema automatizado aplicado ao BIM ou, ainda, é possível demonstrar quais são as circunstâncias que podem trazer prejuízos ao longo de uma obra. Que não são poucos: seja por falha no projeto, a falta de industrialização ou uma execução ruim. Nesta fase, estudos de caso sempre ajudam a embasar seus argumentos.
Em um segundo momento, depois de ter feito alguns projetos e tê-los executado, é possível mostrar casos palpáveis de como e quanto foi essa economia pela sua própria experiência”.
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Muito Bom! Quem for esperto não vai esperar por mais tempo para se tornar um experto nisso. Acho que os early adopters se deram bem nessa!
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